Percebendo algumas crianças de cabelos louros no mercado de escravos em uma manhã, o Papa Gregório, o papa memorável, disse (em latim): “O que é isso?”, e ao ser informado que eles eram anjos, fez a piada memorável – “Non Angli, sed Angeli” (“Não anjos, mas anglicanos”) e ordenou a um dos seus santos chamados Santo Agostinho para ir e converter o resto.
W.C. Sellar and R.J. Yeatman, 1066 and All That (1930).
O jornal Durham Herald-Sun relata a celebração de uma mulher local que se tornou santa pela Igreja Episcopal.
Isto está certo? Os episcopais têm seus próprios santos?
Não, eles não tem. Enquanto os eventos relatados na história estão corretos, a repórter confundiu sua terminologia, utilizando a linguagem católica para descrever um fenômeno protestante.
O parágrafo introdutório da história intitulada “Pauli Murray celebrada como santa em celebração anual”, afirma:
A Revda. Pauli Murray, a mulher que cresceu em Durham e se tornou na primeira mulher clériga episcopal afro-americana, fez-se santa pela Igreja Episcopal em 2012, e comemorada no dia 1º de julho em uma celebração anual na Igreja Episcopal de São Tito em Durham.
O artigo reconta o sermão dado na celebração. Os detalhes da vida dela mostram que Murray foi exemplar, um indivíduo valioso – talvez até mesmo uma santa em linguagem coloquial. Mas o artigo ressalta que ela não é este tipo de santa, mas uma pessoa que “fez-se santa” pela Igreja Episcopal em 2012.
Eu entendo o que a repórter tentou dizer, mas sua linguagem infeliz confundiu a todos, exceto ao observador anglicano mais devoto. A Igreja Episcopal não tem poder de torná-la, ou qualquer outra pessoa, em santo. Nem os católicos ou ortodoxos “fazem” os santos – eles os reconhecem, canonizam, mas apenas Deus os fazem.
Pauli Murray é uma santa? Sim e não.
Ela é uma heroína da igreja que em 2012 foi adicionada ao calendário santoral da Igreja Episcopal e cujo dia de comemoração é 1º de julho. O calendário santoral da igreja está no começo da lista de dias festivos e comemorações de santos e heróis da igreja do Book of Common Prayer (Livro de Oração Comum) – mas note que apenas alguns indivíduos são chamados de santos: Maria, José, Pedro, Paulo, Matias, Bartolomeu, Mateus, Miguel, Lucas, Tiago, Simão, Judas, André, Tomás, Estevão e João.
Todos os outros são identificados por títulos, como reverendo, missionário ou teólogo. As únicas pessoas chamadas de santos são personagens do Novo Testamento. As igrejas episcopais muitas vezes são batizadas por santos da era pós-bíblica (Santo Agostinho e assim por diante), e estes indivíduos são identificados pela igreja universal como santos e muitas vezes são chamados de santos. Mas os anglicanos não criaram seus próprios santos desde a reforma, com apenas uma exceção local e muito disputada: Rei Carlos I da Inglaterra (São Carlos, o mártir).
Qual a diferença entre um herói da igreja e um santo? A resposta é teológica. Culpem Calvino por isto. A letra do hino “I Sing a Song of the Saints of God” enuncia a visão episcopal / reformada. Assim, os fiéis cantam:
1. Eu canto a glória dos grandes santos,
Filhos do nosso Deus
Que lutaram sempre com amor
Por Cristo, o Salvador.
Entre os santos de Deus houve nobres e reis,
Soldados, juízes que tratam de leis:
Como os santos do céu eu também quero ser,
E sempre com Deus viver.2. Os grandes santos amaram sempre
Cristo Jesus, Senhor,
E buscaram nele todo o bem
E o seu amor também
Houve grandes doutores e muitos heróis
Que brilham ainda por Deus quais faróis:
Como os santos do céu eu também quero ser,
E sempre com Deus viver.3. Também existem em nossos dias
Santos do bom Senhor;
Eles vivem perto de Jesus
E levam a sua cruz
Eles andam nas ruas, na escola, no lar,
E estão nas igrejas e em todo o lugar
Pois um santo de Deus, qualquer um pode ser
E sempre com Deus viver.
Escrito por Lesbia Scott em 1929 e definido como a música “Grand Isle”, e composto pelo Rev. John H. Hopkins, Jr., “I Sing a Song” tem sido por logo tempo um dos hinos favoritos dentro de minha denominação – episcopais e anglicanos podem achá-lo no número 293 do Hinário de 1982 (a versão em português se chama “Os Santos do céu”, Hinário Episcopal nº 331, com letra por Jaci Correia Maraschin, utilizada acima – N.d.T.) – enquanto metodistas, presbiterianos e hinários do exército dos EUA também cantam juntos.
O hino de Scott ensina a visão reformada dos santos, tanto os do passado como os do presente – os que estão com Deus, e aqueles que estão a caminho de Deus por meio de sua peregrinação na terra. Calvino reservou atenção especial a esta frase no Credo dos Apóstolos no Livro IV em suas Institutas da Religião Cristã.
Daí a expressão adicional, a “comunhão dos santos”, por esta cláusula, embora geralmente omitida pelos escritores antigos, não deve ser esquecida, pois admiravelmente expressa a qualidade da igreja; assim como se tivesse sido dito, que os santos estão unidos na comunhão de Cristo sobre esta condição, que todas as bênçãos que Deus concede a eles são mutuamente comunicáveis aos outros.
Ou como o hino de Scott diz: “For the saints of God are just folk like me, / And I mean to be one too”. (Tradução literal da letra em inglês: “Pois os santos de Deus são pessoas como eu, / E eu também quero ser um” – N.d.T.).
Esta visão reformada é diferente da compreensão Católico Romana e Ortodoxa dos santos, e não é universalmente aceita por todos os anglicanos (seria difícil, porém, pensar em qualquer doutrina adotada por todos os anglicanos exceto pela mais importante – Real Supremacia).
Quando a Igreja Episcopal, na metade da década de 1970, inciou o processo de revisar seu Hinário de 1940, objeções foram feitas por anglo-católicos sobre a teologia da igreja baixa/protestante. Compiladores do hinário revisado inicialmente omitiram “I Sing a Song” do novo hinário, mas uma campanha de bases com o envio de cartas fez com que ele retornasse. Durante um Dia de Todos os Santos normal (sem labirintos, saunas e cânticos budistas) na Igreja Episcopal, muito provavelmente você escutará este hino. Se a igreja tem um coral de crianças, eu garanto que você o escutará.
Esta incursão na teologia da comunhão dos santos, João Calvino e hinologia do século 20 poderia ter sido evitada ao se usar uma palavra menos carregada do que santo. Pauli Murray é uma santa como são todos os cristãos que acreditam – mas ela é comemorada como heroína da fé, algo que “pessoas como eu” não são.
O texto “So, are there unique Episcopal saints or not?” foi publicado originalmente por geoconger, em 03/07/2014, no site Patheos.com.