O amor não faz mal ao próximo. De sorte que o cumprimento da lei é o amor
(Romanos 13.10).
A Câmara Episcopal da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil vem por meio desta Carta Aberta à Sociedade Brasileira manifestar os motivos pelos quais se posiciona contra iniciativas como as que foram expressas no PL 1904/24, solidarizando-se com todas as pessoas e famílias que sofrem com o flagelo do estupro.
Projetos como o PL 1904/24 propõem que crianças, mulheres e pessoas que gestam havendo sofrido a violação de seus corpos e almas por um estuprador e queiram, com mais de 22 semanas de gestação, recorrer ao aborto legal, sejam reputadas como criminosas.
Pensando no sofrimento causado pela chamada “epidemia de estupro” que assola o Brasil e nas milhares de pessoas, especialmente as crianças e adolescentes, que são vítimas deste crime, projetos de lei como este, que propõem um retrocesso no entendimento da dignidade das pessoas estupradas e suas famílias, já seria motivo suficiente para provocar em nós grande indignação, todavia, para além da sensatez, somos pessoas que pautamos nossa conduta na alteridade Cristã.
Biblicamente dizemos não ao PL 1904/24 porque nos inspiramos no exemplo de Jesus de Nazaré que sempre estava disposto a conhecer, acolher e amar mulheres, crianças e pessoas marginalizadas e discriminadas antes de emitir qualquer juízo de valor sobre suas vidas e condutas.
A Bíblia nos inspira e nos convida a viver um Evangelho de amor, perdão e graça, nos contrapondo aos fundamentalismos políticos e religiosos que disseminam o ódio e desrespeitam a dignidade humana. Porque, como apontava o apóstolo Paulo, sem amor nada tem valor (1ª Coríntios 13).
Somos uma Igreja comprometida com o princípio do evangelho de Cristo. Entendemos que em um Estado Laico e Democrático os princípios religiosos alegados por algumas tradições cristãs – com os quais nem sempre concordamos – não podem ser impostos a toda a sociedade.
Por isso denunciamos o PL 1904/24 como desrespeito à dignidade das pessoas que gestam, e cumplicidade com o abuso e a violência incentivada por valores machistas que condenam as vítimas e absolvem os abusadores.
Anunciamos que cumpriremos a Marca da Nossa Missão – que identifica a participação na Missão de Deus em toda a Comunhão Anglicana – respondendo às necessidades humanas com amor e procurando a transformação das estruturas injustas da sociedade, desafiando toda espécie de violência, buscando a paz e a reconciliação, principalmente com as pessoas mais vulneráveis como as crianças, mulheres e pessoas que gestam.
Do ponto de vista legal reafirmamos os direitos contidos na Constituição Federal do Brasil e o ordenamento jurídico que garantem às pessoas que gestam o direito ao aborto legal em caso de estupro, risco de morte da mãe e em caso de gestação de anencéfalo.
Em face disto, lembramos que, o que deve nos mobilizar é a criação de políticas púbicas capazes de fazer com que o Brasil não seja mais o quinto país que mais violenta mulheres; que mais mata a população LGBTQIAPN+ e onde mais de 400 mil crianças e adolescentes entre 10 e 14 são engravidadas e 1 mulher é estuprada a cada 8 minutos.
Ressalvamos aqui que, se para uma mulher adulta lidar com a violência sexual e uma gravidez decorrente de estupro já é algo extremamente dolorido, para uma criança abusada, normalmente por parente próximo, pai, tio, primo, irmão, vizinho e amigo, é destruidor. É como permanecer viva para morrer todos os dias.
Continuaremos lutando para que nenhuma pessoa que foi violentada sexualmente seja obrigada a abortar, todavia oramos e lutamos para que as crianças e mulheres que busquem a alternativa do aborto legal, não sejam violentadas pelo Estado com medidas socioeducativas ou com qualquer tipo de pena que as responsabilize e culpabilize pela agressão sofrida.
Belém, 20 de junho de 2024.
Bispa Marinez Rosa dos Santos Bassotto, Diocese Anglicana da Amazônia e Primaz
Bispo Maurício José Araújo de Andrade, Diocese Anglicana de Brasília
Bispo Francisco de Assis da Silva, Diocese Sul Ocidental
Bispo Humberto Maiztegui Gonçalves, Diocese Meridional
Bispo João Câncio Peixoto, Diocese Anglicana do Recife
Bispo Eduardo Coelho Grillo, Diocese Anglicana do Rio de Janeiro
Bispa Meriglei Borges da Silva Simim, Diocese Anglicana de Pelotas
Bispo Francisco Cézar Fernandes Alves, Diocese Anglicana de São Paulo
Bispa Magda Cristina Guedes Pereira, Diocese Anglicana do Paraná
Bispo Clovis Erly Rodrigues, Emérito
Bispo Almir dos Santos, Emérito
Bispo Celso Franco, Emérito
Bispo Jubal Pereira Neves, Emérito
Bispo Filadelfo de Oliveira Neto, Emérito
Bispo Saulo Maurício de Barros, Emérito
Bispo Renato da Cruz Raatz, Emérito
Bispo Naudal Alves Gomes, Emérito
Publicado em 20/06/2024 no site da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil