Direitos humanos sob o prisma anglicano

O Arcebispo da Cidade do Cabo e Primaz da Igreja Anglicana no Sul da África, Thabo Makgoba, apresenta uma perspectiva anglicana para o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Eleanor Roosevelt exibe cartaz com a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, 1949.

Hoje (10 de dezembro de 2018) nós celebramos o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948 pela organização recém-estabelecida das Nações Unidas, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Alguns cristãos sentem-se desconfortáveis com o crescimento do moderno movimento de direitos humanos, vendo-o como uma “religião secular” que ameaça substituir nossa fé, especialmente onde as crenças e práticas cristãs estão em declínio nos países do Norte Global.

Falando como alguém do Sul Global, eu não tenho tal desconforto – principalmente vindo de um país no qual nossa fé foi pervertida por igrejas cristãs ao propagarem a noção de separação de pessoas tendo como base a raça e etnia como necessária para pacificar a coexistência humana, e, portanto, negar nossa convicção de que “não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Gálatas 3:28

Observemos os direitos humanos sob um prisma anglicano, usando as escrituras, Tradição, Razão e Experiência para interpretar nosso contexto. Levando estes pilares a sério, usando a razão para considerar nossa experiência à luz das Escrituras, me parece que quando buscamos orientações de nossa fé de como devemos viver no mundo, nós podemos começar com as palavras de Deus em Gênesis: “Façamos o homem [humanidade] à nossa imagem” (1:26).

Pois cada um de nós foi feito à imagem de Deus, então, como Desmond Tutu disse, nós somos portadores de Deus, e tratar qualquer filho de Deus como menos do que isto não é apenas injusto, não é simplesmente doloroso para aqueles assim tratado, mas “blasfemo – como cuspir no rosto de Deus”.

Poderia haver afirmação mais simples e mais poderosa para apoiar as declarações dos dois primeiros artigos da Declaração, que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” e “Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”?

Quando Jesus veio, ele nos assegurou “Eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância” (João 10:10). A implicação desta promessa é que minha fé requer que eu constantemente busque o florescimento humano. Não me importa se os filhos de Deus são cristãos, judeus, muçulmanos, hindus ou budistas, ou se são crentes ou não crentes. Não importa se as Nações Unidas e seus estados-membros têm uma visão da humanidade vista pelos olhos de minha fé. Minha fé cristã diz que toda pessoa precisa ser tratada com respeito e deve ser concedida a dignidade que ela merece, pois ela é feita a imagem de Deus.

Isto não está acontecendo na Síria. Isto não está acontecendo no Sudão do Sul ou na República Democrática do Congo, onde centenas de milhares daqueles que são feitos a imagem de Deus foram mortos ou deslocados de suas casas a uma situação de instabilidade e contenda que remonta a décadas. Em uma reunião que participei para considerar suas situações atuais, nos foi dito que todas as crianças nascidas no Sudão do Sul após 1955 podem ser, na verdade, chamadas crianças da guerra.

Se formos evitar subterfúgios sobre quem está promovendo os direitos humanos e porquê, e em vez de ousadamente nos apropriarmos deles e aplicar uma linguagem escritural, para mim as bem-aventuranças podem ser nosso primeiro ponto de referência. Enquanto observamos o Advento e nos preparamos para celebrar a Encarnação, vamos cada um de nós nos perguntar:

  • O quê a bem-aventurança significa no contexto que os filhos de Deus sofrem?
  • Quais são as implicações da Palavra de Deus nas situações enfrentadas por nossas irmãs e irmãos que estão piores do que nós?
  • E qual o significado de ajudar a assegurar a paz e segurança, alcançar a igualdade e atingir as Metas do Desenvolvimento Sustentável e acabar com a pobreza material até 2030?

Que Deus lhe abençoe e lhe conceda um Advento e Natal repleto de paz.

Texto escrito pelo Arcebispo Thabo Makgoba, Primaz da Igreja Anglicana do Sul da África. Publicado em 10/12/2018 no site Anglican Communion News Service.