Cultivando serenidade neste tempo de pandemia de Covid-19

“Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisa que não posso modificar; coragem para modificar aquelas que posso; e sabedoria para conhecer a diferença entre elas. Vivendo um dia de cada vez, desfrutando um momento de cada vez, aceitando que as dificuldades constituem o caminho à paz. Aceitando, como Ele aceitou, este mundo tal como é, e não como eu queria que fosse. Confiando que Ele acertará tudo, contanto que eu me entregue à Sua vontade, para que eu seja razoavelmente feliz nesta vida e supremamente feliz com Ele eternamente na próxima.”

— Reinhold Niebuhr (1892- 1971)

Escrita no século XX por Reinhold Niebuhr, teólogo de tradição reformada, a oração da serenidade tornou-se popular e é fonte de recursos para os grupos de AA (Alcoólicos anônimos) e outras associações que seguem a mesma filosofia de ajuda solidária e escuta empática. Essa singela oração tornou-se parte importante da vida espiritual de milhões de pessoas, proporcionando esperança ativa e resiliência na vida cotidiana.

Vivemos num tempo em que muitas informações relevantes e fake news chegam a nós a cada momento de diversas partes do mundo, e cabe a nós, com serenidade e lucidez, discernir o que é joio ou trigo. Em alguns ambientes, temos visto surgir um certo anti-intelectualismo. Nós, episcopais anglicanos, rejeitamos tal postura e, na boa companhia do teólogo anglicano John Stott (1921-2011), afirmamos: “Crer é também pensar”.

A carta pastoral da Câmara Episcopal da IEAB sobre a pandemia da Covid-19 (17/03/2020), acolhe plenamente as recomendações da Organização Mundial da Saúde. Embora sejam recomendações que podem gerar certo desconforto para algumas pessoas e para a vida das nossas comunidades, entendemos que elas são fundamentais neste momento.

As medidas de precaução em relação ao coronavírus estão mudando o cotidiano de todas as pessoas, famílias e comunidades. São mudanças por vezes drásticas, mas necessárias e com forte impacto na vida comunitária das paróquias, dioceses, da Província e de toda a Comunhão Anglicana. Em meio a este tempo conturbado surge a pergunta: Como manter a saúde, a serenidade e promover a solidariedade em meio à confusão provocada pela pandemia sem perder o equilíbrio emocional?

Na prática milenar da pastoral da Igreja e nas diversas escolas de espiritualidade, encontramos inúmeras indicações — um “tesouro” de “coisas novas e velhas” (Mateus 13:52) — que são preciosas fontes de recursos que podem nos ajudar em nosso processo de cultivar o equilíbrio emocional/espiritual e fortalecer nossas ações devocionais: leitura contemplativa da Bíblia (Lectio divina), cultivar o silêncio santo, meditação, leitura do nosso devocionário Sementes, oração contemplativa com recitação dos salmos, pratica do rosário anglicano e o uso doméstico do Livro de Oração Comum, com inúmeros recursos litúrgicos devocionais para uso familiar e individual.

Destacamos algumas sugestões pastorais da Carta Pastoral da Câmara Episcopal que, com criatividade, estamos desenvolvendo em nossas comunidades nesse tempo de quarentena:

  • Recomendando-se que sejam realizadas “lives” com liturgias de Oração Matutina ou Vespertina, bem como a Benção da Saúde, litanias e orações especiais e outras mensagens pertinentes.
  • Utilização das redes sociais para oferecer pequenos vídeos e/ou áudios com orações, liturgias e palavras de conforto e, eventualmente, com toda a segurança possível.
  • Oferecimento de atendimento pastoral e aconselhamento por mensagens de celular e/ou telefonemas.

E apesar da situação quase caótica, marcada por medo e incertezas, é muito gratificante constatar nossa capacidade de resiliência e criatividade. Várias pessoas clérigas e leigas da IEAB organizaram e estão pondo em pratica várias atividades litúrgicas devocionais, que podemos intitular de “Igreja on-line”, para ser presença do amor restaurador e compassivo de Jesus Cristo que abraça a todas as pessoas.

Na mesma direção, Justin Welby, Arcebispo de Cantuária, escreveu recentemente: “Nossa vida será menos caracterizada pela presença na Igreja no domingo e mais caracterizada pela oração e pelo serviço que oferecemos todos os dias.”

Iniciamos no mês de março a quarentena na quadra da Quaresma, tempo no qual Deus nos chama à conversão, ao arrependimento e à vida nova em Jesus Cristo, nossa Páscoa. É tempo de renovar nossa esperança e caminhar com fé. Que essa fé, que vem de nossas mães e nossos pais, “nos alente a estar de pé!” (Hinário Episcopal, 268).

Em Salmos 136:12 encontramos a imagem de Deus “com mão forte e com braço estendido” para nos proteger. E o salmista afirma que a benignidade de Deus, nosso Pai materno, “dura para sempre”. É importante recordar que fome, epidemias e guerras sempre fizeram parte da vida cotidiana de nossos ancestrais, mas eles e elas acreditavam firmemente que seu destino estava nas mãos de Deus. É imprescindível lembrar que, como povo cristão, estamos sempre em boas mãos — nas mãos misericordiosas de Deus. Com essa certeza de que nossa vida está nas mãos de Deus é que oramos rogando a Divina Ruah, o Espírito Santo de amor, graça e serenidade para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar as que estão ao nosso alcance, e sabedoria para distinguir umas das outras.

Quando oramos por serenidade estamos pedindo a Deus essa paz profunda que recebemos de nosso Senhor Jesus Cristo.  A paz esteja com vocês, são as palavras do Ressuscitado conforme o testemunho de São João (20.19), paz que excede todo entendimento. Na celebração da Pascoa renovamos nossa esperança e resiliência para superar e triunfar sobre toda a realidade de morte. E assim lidaremos com a pandemia da Covid-19 sem perder a lucidez, conservando a serenidade e a fé na certeza de que o Senhor Ressuscitado, é fiel à sua promessa: “Eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém” (Mateus 28:20).

+ Cézar Alves